segunda-feira, 30 de julho de 2012

REPARANDO ERROS

REPARANDO ERROS


Tupiara, esse é o nome que recebi na última encarnação, vim na pele de um índio para aprender a me desapegar de bens materiais.
Quando nasci tinha uma mancha de nascença no meu ombro no formato de uma semente de girassol, por isso recebi o nome de Tupiara, que significa semente de papagaio, esse significado vocês não irão encontrar nos livros e dificilmente a minha imagem também. Talvez algum desenho onde estarei sempre com uma ave de rapina neste mesmo ombro marcado pelo destino.
Durante a infância meu passatempo era nadar e o arco e flecha, onde me tornei um exímio flecheiro. Rara era a vez que eu errava o meu alvo, mas quando isto ocorria minhas aves buscavam a presa para mim.
Como todo ser humano eu também tinha o meu fraco, que era a vaidade. Me arrumava com as penas mais belas, meu cocar era de uma beleza invejável, longo até a cintura. Meu arco era feito das árvores mais nobres; isto atraía a atenção das moças.
Guaraciara (pássaro que tem luz como o sol), era apaixonada por mim, mas eu preferi Poranga (beleza), não porque a amava, mas por ser a mais bela da aldeia queria ostentá-la. Isso fez com que Guaraciara perdesse a vontade e viver, até que um dia a encontramos enforcada num pé de figueira.
O remorso tomou conta do meu ser. Fui embora para o povoado, lá conheci os jesuítas, fui muito bem acolhido pelo padre Manuel e conheci uma nova religião, me entreguei de corpo e alma, queria tirar Guaraciara da minha cabeça.
Daquele dia em diante não mais voltei a tribo, foram muitos dias até que conheci Amélia, me apaixonei. Ela era clara, cabelos cor de trigo, olhos cor do céu. Contava os dias para vê-la na missa aos domingos. Ficava a admirar a sua beleza e estava pronto a me declarar quando seu pai chegou a capela acompanhado de um rapaz para marcar o casamento de Amélia com o moço. Aquilo para mim foi pior do que uma flecha no meu coração, fui até a sacristia, me ajoelhei e pedi a Deus que não deixasse Amélia casar-se com aquele rapaz, mas não adiantou; trinta dias depois ela estava adentrando a capela, mais linda do que nunca. Tive vontade de flechar o noivo para que isso não acontecesse, mas simplesmente saí. Não podia ver aquela cena, era demais para o meu coração, Tupã estava me castigando.
Os dias se passaram e eu não tinha mais forças para nada, o desanimo tomava conta de mim.
Padre Manuel veio ter comigo, queria saber o que eu tinha, não consegui segurar o pranto, e como uma criança contei-lhe todo o meu sofrimento. Ele me aconselhou a me distrair com os afazeres da capela, para ver se eu esquecia, porque agora ela era uma mulher casada.
Até que tentei, mas quando a via a depressão me abatia até chegar o momento em que não aguentei e mais uma vez errei. Esse é o pior erro que alguém pode cometer. Quando menos esperava fui até a mesma figueira onde Guaraciara pôs fim a sua vida e me enforquei.
Já no mundo dos mortos fui parar no vale dos suicídas. Muitas pessoas me acusavam de assassino, por ter tirado o bem mais precioso que recebi de Deus; o lugar era escuro, a vegetação parecia que tinha pegado fogo, corri daquela multidão, pessoas ao chão tentavam me segurar pelas pernas, subi um morro como uma presa em fuga.
Os dias passavam, a fome, a sede eram insuportáveis. Minha roupa estava um farrapo, chorei, lágrimas lavaram o meu rosto, quando parei uma luz clareou o ambiente, um senhor de cabelos brancos acompanhado de Guaraciara vieram me dar a mão. Me ajoelhei aos pés daquela, a qual fui responsável por sua morte e pedi perdão. Ela estendeu a mão e disse: “você já está perdoado”.
Hoje já refeito, e tendo Guaraciara ao meu lado, trabalho na umbanda, na linha de meu pai Oxossi, almejo junto ao meu filho levar a quem nos procura, um pouco de conforto e não deixar que o pão falte em suas mesas.
Agradeço ao meu pai Oxalá e a Oxossi a oportunidade de ser útil, depois de tantos erros.
Salve a Umbanda!
Salve Oxossi!
Kiô, Kiô, Kiô, Kiera!

Orlando Garcia (Aluno de Sacerdócio - FUCESP)

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