quinta-feira, 12 de julho de 2012

ALMA GÊMEA

ALMA GÊMEA

Era sábado, acabávamos de chegar a Madrid, o sol já estava se pondo quando chegamos ao acampamento de Ítalo, um cigano muito respeitado pelo seu povo.
Fomos recebidos com festa, carroças formavam um círculo tendo ao centro uma fogueira cujas labaredas atingiam aproximadamente três metros de altura. Ao fundo deste lindo cenário uma lua cheia dava um toque especial. Eu que sempre fui muito retraído, devido a perda que tive na infância onde meus pais e minha irmã morreram em um acidente; estava quieto em um canto, quando vi saindo de uma cabana uma moça de uns 18 anos, com um lenço e moedas cobrindo-lhe a cabeça, era a cigana mais bonita que eu vi em minha vida. Cabelos ruivos, ondulados chegando a altura da cintura, corpo de uma sereia; quando cheguei mais perto vi que seus olhos eram da cor da esmeralda. Logo meu coração já tinha dona. A noite inteira não consegui desprender os olhos dela, a sua dança e o seu jeito de caminhar me enfeitiçaram; a paixão atingira meu coração.
Naquela noite não tive oportunidade de conversar com ela, não consegui pegar no sono, só a imagem dela vinha em minha mente.
Pelas frestas da minha barraca vi que o dia começava a raiar, levantei e fui contemplar a bela paisagem. Distraído não notei que ela caminhava em minha direção, perguntou se podia sentar-se ao meu lado. Tomei um susto, ela sorriu e sem palavras, apenas consenti com a cabeça.
Notei que ela ainda estava com a roupa da festa, porém sem lenço e as moedas, pude então ver a perfeição do seu rosto. Perguntou de onde vínhamos, falei que vínhamos da Cataluña e iríamos para Saintes-Maries-de-La-Mer, lugar sagrado para o povo cigano. Lá Santa Sara chegou com as três Marias (Maria Jacobina, Maria Salomé e Maria Madalena) depois de navegar por mar revoltoso e sem remos. Ela me disse que queria sair da Espanha, mas seu pai o velho Ítalo não queria sair de sua terra natal. Perguntou o meu nome, disse Ramirez, quis saber o dela e ela me falou Madalena.
Conversamos durante horas que para mim pareceram minutos.
Mais tarde durante o almoço ao saborear um carneiro assado, sentada ao meu lado logo percebi que meu amor era correspondido.
Ela era a terceira filha e disse que o pai nunca a deixara namorar. Fiquei mais preocupado, falei que gostaria que ela seguisse o meu grupo como minha esposa e ela me respondeu que dificilmente teria a permissão do pai dela. Me propus a falar com o pai dela. Na mesma noite fui ter com ele.
Ítalo era um cigano corpulento, seu bigode chegava ao queixo, contei que estava apaixonado por Madalena e era correspondido, queria a sua permissão para tê-la como minha esposa e acompanhar o meu grupo. Ele se levantou, andou de um lado para o outro, parou e me disse “Vou deixá-lo cortejá-la, mas para levá-la terá até o fim de semana para pagar o dote de 30 mil réis (este era o valor aqui na época), só assim permitirei que ela o acompanhe”.
Era muito dinheiro, eu não tinha nem 10 mil réis, mas falei que arrumava. Agradeci e saí. Fui direto a cabana de meu tio, homem que me criou e que sempre tive como meu pai, contei o ocorrido, ele disse que também não tinha tudo, perguntou se eu queria realmente a moça, disse que a quero e que nunca mais pediria nada a ele se ele me fizesse esse favor. Ele como um bom pai me prometeu que arrumaria com os outros ciganos.
Dois dias antes do prazo final paguei o dote.
A noite foi feita outra festa com danças, fogueira e comida a vontade, era o meu noivado. Dois dias após, uma noite antes da nossa partida houve outra festa, agora de despedida do meu grupo e do meu casamento.
Foram dias de festa interna em meu coração.
Vivi bons anos com minha amada, tivemos três filhos, dois meninos e uma menina.
Já em terras francesas, meu grupo que adorava aquele clima ameno, estava radiante, fomos até o porto Saintes-Maries-de-La-Mer.
Um dia já com as crianças grandes, nosso grupo chegou a uma cidade pequena, onde um menino tinha sido encontrado morto a beira de um rio. Boatos relatavam que fora obra de cigano e nosso grupo foi atacado durante a noite, não pouparam ninguém. A barraca que dormíamos foi incendiada, não deu tempo de ninguém sair. Meu espírito já fora do meu corpo viu a minha amada abraçada aos meus filhos, todos mortos.
Vaguei sem rumo achando tudo culpa de Deus, praguejei. Vivi como um espírito obsessor, naqueles que aniquilaram o meu povo.
Depois de muito tempo vivendo daquele modo fui socorrido por irmãos de luz. Entre eles estava Madalena, a alegria tomou conta de mim, chorei até ficar sem forças.
Agora com a ajuda dos irmãos de luz e de minha amada, trabalho pela bandeira da Umbanda, tendo esse irmão que me dá a oportunidade de redimir meus erros do passado e também a essa alma gêmea que ainda me auxilia, atendemos na linha dos ciganos sob o manto de Santa Sara.
Salve a Umbanda!!!

Orlando Garcia (Aluno de Sacerdócio - FUCESP)

Um comentário:

  1. Muito Linda, é a verdadeira essência da umbanda incrível me irmão gostei demais

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