segunda-feira, 30 de julho de 2012

REPARANDO ERROS

REPARANDO ERROS


Tupiara, esse é o nome que recebi na última encarnação, vim na pele de um índio para aprender a me desapegar de bens materiais.
Quando nasci tinha uma mancha de nascença no meu ombro no formato de uma semente de girassol, por isso recebi o nome de Tupiara, que significa semente de papagaio, esse significado vocês não irão encontrar nos livros e dificilmente a minha imagem também. Talvez algum desenho onde estarei sempre com uma ave de rapina neste mesmo ombro marcado pelo destino.
Durante a infância meu passatempo era nadar e o arco e flecha, onde me tornei um exímio flecheiro. Rara era a vez que eu errava o meu alvo, mas quando isto ocorria minhas aves buscavam a presa para mim.
Como todo ser humano eu também tinha o meu fraco, que era a vaidade. Me arrumava com as penas mais belas, meu cocar era de uma beleza invejável, longo até a cintura. Meu arco era feito das árvores mais nobres; isto atraía a atenção das moças.
Guaraciara (pássaro que tem luz como o sol), era apaixonada por mim, mas eu preferi Poranga (beleza), não porque a amava, mas por ser a mais bela da aldeia queria ostentá-la. Isso fez com que Guaraciara perdesse a vontade e viver, até que um dia a encontramos enforcada num pé de figueira.
O remorso tomou conta do meu ser. Fui embora para o povoado, lá conheci os jesuítas, fui muito bem acolhido pelo padre Manuel e conheci uma nova religião, me entreguei de corpo e alma, queria tirar Guaraciara da minha cabeça.
Daquele dia em diante não mais voltei a tribo, foram muitos dias até que conheci Amélia, me apaixonei. Ela era clara, cabelos cor de trigo, olhos cor do céu. Contava os dias para vê-la na missa aos domingos. Ficava a admirar a sua beleza e estava pronto a me declarar quando seu pai chegou a capela acompanhado de um rapaz para marcar o casamento de Amélia com o moço. Aquilo para mim foi pior do que uma flecha no meu coração, fui até a sacristia, me ajoelhei e pedi a Deus que não deixasse Amélia casar-se com aquele rapaz, mas não adiantou; trinta dias depois ela estava adentrando a capela, mais linda do que nunca. Tive vontade de flechar o noivo para que isso não acontecesse, mas simplesmente saí. Não podia ver aquela cena, era demais para o meu coração, Tupã estava me castigando.
Os dias se passaram e eu não tinha mais forças para nada, o desanimo tomava conta de mim.
Padre Manuel veio ter comigo, queria saber o que eu tinha, não consegui segurar o pranto, e como uma criança contei-lhe todo o meu sofrimento. Ele me aconselhou a me distrair com os afazeres da capela, para ver se eu esquecia, porque agora ela era uma mulher casada.
Até que tentei, mas quando a via a depressão me abatia até chegar o momento em que não aguentei e mais uma vez errei. Esse é o pior erro que alguém pode cometer. Quando menos esperava fui até a mesma figueira onde Guaraciara pôs fim a sua vida e me enforquei.
Já no mundo dos mortos fui parar no vale dos suicídas. Muitas pessoas me acusavam de assassino, por ter tirado o bem mais precioso que recebi de Deus; o lugar era escuro, a vegetação parecia que tinha pegado fogo, corri daquela multidão, pessoas ao chão tentavam me segurar pelas pernas, subi um morro como uma presa em fuga.
Os dias passavam, a fome, a sede eram insuportáveis. Minha roupa estava um farrapo, chorei, lágrimas lavaram o meu rosto, quando parei uma luz clareou o ambiente, um senhor de cabelos brancos acompanhado de Guaraciara vieram me dar a mão. Me ajoelhei aos pés daquela, a qual fui responsável por sua morte e pedi perdão. Ela estendeu a mão e disse: “você já está perdoado”.
Hoje já refeito, e tendo Guaraciara ao meu lado, trabalho na umbanda, na linha de meu pai Oxossi, almejo junto ao meu filho levar a quem nos procura, um pouco de conforto e não deixar que o pão falte em suas mesas.
Agradeço ao meu pai Oxalá e a Oxossi a oportunidade de ser útil, depois de tantos erros.
Salve a Umbanda!
Salve Oxossi!
Kiô, Kiô, Kiô, Kiera!

Orlando Garcia (Aluno de Sacerdócio - FUCESP)

quinta-feira, 26 de julho de 2012

MACHADO DA JUSTIÇA

MACHADO DA JUSTIÇA


Capitania de São Tomé, onde hoje é o Rio de Janeiro, mais precisamente a cidade de Campos de Goytacazes, lá vivia minha tribo.
Goytacazes significa corredor, nadador e comedor de gente para os brancos.
Diferente da maioria dos índios brasileiros, éramos mais claros e mais altos. Desconfiávamos de tudo e de todos, pouco contato tínhamos com outras tribos e os brancos, somente um de nós fazia o contato para a troca de mercadorias, fornecíamos mel, cera, pesca e caça e recebíamos utensílios agrícolas, facões, bebidas alcoólicas e miçangas, e outras coisas da civilização.
Os produtos trocados eram deixados próximo ao rio, num local pré combinado. Lá eles pegavam e deixavam o que fora acordado. Quando algum se achava mais esperto, só levava e não deixava; mais abaixo o rio se estreitava e nós já deixávamos uma emboscada preparada, por isso a fama de comedor de gente.
Para nós os rios e lagos eram sagrados, só bebíamos água de cacimbas e bicas.
Os nossos mortos eram enterrados em “igaçabas” (pote de barro).
Eu quando completei trinta anos fui escolhido para fazer o contato com os brancos.
Houve uma festa, nesta festa meninos que completavam treze anos tiveram a cabeça raspada, somente a parte de cima da cabeça onde para nós o contato com os espíritos acontece; o resto do cabelo permanecia longo.
Uma certa vez um grupo de homens brancos tentaram nos ludibriar, quando chegaram ao afunilamento do rio, chuva de flechas caíram sobre eles, poucos saíram vivos. Desse dia em diante sofremos vários ataques, mas o pior não foi o ataque, foram peças de roupas deixadas em nossas trilhas. Quando a achávamos, na nossa ingenuidade vestíamos e ao chegar a aldeia éramos motivo de risos de todos; só que essas roupas estavam contaminadas com o vírus da varíola e quase dizimou o meu povo.
Nessa época eu também faleci pouco antes de um grande massacre que dizimou o meu povo, foram aproximadamente doze mil mortes. Meu espírito até hoje busca justiça.
Trabalho na umbanda sob a proteção de nosso pai Xangô, utilizando meu filho como aparelho para continuar atuando com o meu machado, levando a quem nos procura a justiça que não tive.
José de Alencar conta mais uma estória de injustiça feita contra um de nós, Peri que apaixonou-se por Cecília filha de um rico português.
Agradeço ao meu pai Oxalá, a Xangô e a meu filho por continuar buscando a justiça que não foi dada ao meu povo.
Batalho pela lei Divina...
Salve a Umbanda!!!
Kaô Kabecilê!!!

Orlando Garcia (Aluno de sacerdócio - FUCESP)

CICATRIZES

                                                               CICATRIZES


Desde pequeno aprendi a dar valor ao trabalho; aos dez anos já ajudava nas feiras e mercados, a senhoras a levarem suas compras para casa. Também ajudava aos comerciantes na limpeza e reposição de seus estoques.
Vindo de uma família muito pobre, minha mãe dona Ana era lavadeira, passava o dia inteiro a beira do ribeirão com bacias de roupas. Meu pai senhor Antonio, antes de se tornar um alcoólatra era um excelente pintor, agora já não podíamos contar com ele. Muito amoroso e de bom coração, mas um fraco em relação ao vício.
Minha mãe não era muito de mostrar o seu afeto, seus modos rudes nos impedia de se aproximar dela.
Aos doze anos fiz a minha primeira caixa de engraxate, comecei a ganhar um pouco melhor, isto fez com que melhorássemos a nossa situação financeira.
Devido ao meu esforço fui convidado a trabalhar num empório de secos e molhados de um português senhor Avelino; lá eu fazia um pouco de tudo.
Comecei a me enamorar por Maria Isabel. Uma bela mulata filha da empregada do meu patrão.
Aos dezesseis anos, já namorando com a minha primeira e única namorada que tive, começávamos a fazer planos para o futuro, porém a vida nos prega peças que nos deixa cicatrizes que podem mudar o nosso futuro.
Voltávamos para casa após um dia de trabalho, caminhávamos a beira do mar quando fomos atacados por um grupo de uns treze meninos, fui roubado, apanhei até desacordar. Maria Isabel sofreu todo tipo de sevícias e após este ato animalesco a jogaram ao chão, ao cair bateu a cabeça contra uma árvore.
Três dias após a internação tive alta, mas minha amada, a queda fez com que quebrasse o pescoço morrendo instantaneamente. ao saber do ocorrido chorei e prometi vingança. Deste dia em diante minha vida mudou.
Saindo do hospital não fui mais trabalhar, fui atrás dos assassinos da minha Maria Isabel. Vários dias se passaram até que descobri os seus paradeiros.
Montei uma estratégia e segui a risca, fui seguindo-os até cada um ficar sozinho, e assim apunhalei um a um. Demorou, mas não deixei nenhum com vida.
Para minha casa não podia mais voltar, a polícia estava em meu encalço. Deste dia em diante vivi a margem da sociedade, praticando roubos e furtos.
Durante um roubo a uma mercearia escutei o estampido de uma arma de fogo, forte dor no estomago senti, meus olhos se turvaram e desmaiei.
Com a alma fora do corpo, vi sangue escorrendo pela boca do meu corpo inerte ao chão. Fui parar num lugar em que pessoas que viveram como eu vivi vão parar. Lá era um local escuro, gritos de dor e súplicas ecoavam por todos os cantos.
Passei um bom tempo neste local até que uma falange de espíritos sem luz me levaram para trabalhar em terreiros onde todo tipo de serviço era solicitado, demorou muito tempo para que eu conseguisse ser respeitado. Assim fui ganhando os tridentes que eram as provas da minha evolução, hoje possuo os sete tridentes, trabalho na umbanda na linha dos Exus mirins.
Tento alcançar a minha luz e agradeço a oportunidade que meu pai Oxalá me dá de junto ao meu irmão, levar a caridade, fé e esperança a quem nos procura.
Salve a Umbanda!
Salve Exú Mirim!

Orlando Garcia (Aluno de Sacerdócio - FUCESP)

segunda-feira, 23 de julho de 2012

Reencontro com a Fé

REENCONTRO COM A FÉ

Ainda era madrugada, o sol nem nascera, eu e meus dois irmãos empurrávamos nosso pequeno barco contra as ondas que teimavam em chegar a areia da nossa ilha.
Pedi permissão e proteção a minha mãe Iemanjá para adentrarmos em seus domínios.
Parecia um dia comum, mas em alto mar o tempo mudou, rajadas de vento nos forçaram a baixar as velas e o barco ficou a deriva; ondas enormes passavam por nós, nosso barco parecia um barquinho de papel na imensidão daquele mar revoltoso. Roguei por Deus e pedi a proteção de minha mãe Iemanjá para que não nos abandonasse.
Horas depois tudo se acalmou, nem parecia que aquele pesadelo tinha acontecido.
Ao chegar a praia vimos que os coqueiros estavam caídos e a vegetação tombada no sentido contrário ao mar, não havia uma casa em pé. Corri para minha casa onde havia deixado minha amada Helena, minha companheira há aproximadamente vinte anos e minhas filhas Heloísa e Irene, porém a casa não encontrei, só restos dos alicerces.
Sentei onde antes era minha casa e chorei copiosamente. Logo fui tocado no ombro, era meu irmão mais velho que chorando me falou que sua casa e a casa de meus pais também tiveram o mesmo fim. Neste momento blasfemei contra Deus, disse “nunca mais falarei o Seu nome e que minha Iemanjá tinha me abandonado, que não mais a tinha como minha mãe”.
Os dias se passaram, meu irmão mais velho tornou-se um alcoólatra, o mais novo saiu a procura de emprego em outra cidade e eu fui procurar ocupação numa cidade grande próxima a ilha onde vivi por quarenta anos.
Chegando a cidade não conseguia emprego devido a idade e a falta de qualificação, pois só sabia pescar e mergulhar, ofício que aprendi com meu pai e meu avô.
Andei por horas até escurecer. A fome começou a me incomodar, fui até um comércio próximo onde comprei uma broa, era grande e o preço pequeno. Voltei e fui dormir numa praça.
Quando o dia raiou abri os olhos e percebi bem ao centro uma bela igreja. Chorei muito e pedi a Deus que me desse uma prova para que eu pudesse voltar a acreditar Nele.
Saí a procura de serviço e já na hora do almoço um menino de uns doze anos veio me pedir que lhe pagasse algo para comer, perguntei onde estavam os seus pais, e ele me respondeu que os perdeu ainda muito criança. Quis saber quem cuidava dele, a resposta foi direta ao meu coração, falou-me que Deus era quem tomava conta dele e sempre colocava um anjo em seu caminho, que não o deixava passar fome. Paguei-lhe um almoço e o que me sobrou deu apenas para comprar dois pãezinhos.
Saindo dali percorri uns dois quarteirões quando avistei a beira do porto um homem trajando um uniforme branco muito bonito, recrutando homens para trabalhar em seu navio. Logo fui aceito, nem mesmo a minha idade foi empecilho, depois fiquei sabendo que este senhor era o Capitão responsável por aquela embarcação.
Comecei trabalhando na limpeza, logo fui promovido para imediato, ou seja, responsável por levar as ordens do capitão a quem quer que seja.
Um ano após, tornei-me o mergulhador do navio, morri bem velho aos noventa e dois anos, ainda na ativa. Mulheres, só tive as que o dinheiro pôde pagar, bebida há mais de vinte anos não ingeria.
Acabei como todo marinheiro sempre quis, no navio e o corpo entregue aos braços de minha mãe Iemanjá.
Agradeço a Deus pelo anjo que me enviou, ao qual paguei o almoço e que me trouxe a fé.
Hoje trabalho na umbanda e compartilho com meu filho a oportunidade de retribuir um pouco do muito que Deus me deu.
SALVE MEU PAI OXALÁ! SALVE ODOIÁ, MINHA MÃE IEMANJÁ, RAINHA DOS TESOUROS E SEGREDOS DO FUNDO DO MAR...

Orlando Garcia (Aluno de sacerdócio - FUCESP)

quinta-feira, 12 de julho de 2012

ALMA GÊMEA

ALMA GÊMEA

Era sábado, acabávamos de chegar a Madrid, o sol já estava se pondo quando chegamos ao acampamento de Ítalo, um cigano muito respeitado pelo seu povo.
Fomos recebidos com festa, carroças formavam um círculo tendo ao centro uma fogueira cujas labaredas atingiam aproximadamente três metros de altura. Ao fundo deste lindo cenário uma lua cheia dava um toque especial. Eu que sempre fui muito retraído, devido a perda que tive na infância onde meus pais e minha irmã morreram em um acidente; estava quieto em um canto, quando vi saindo de uma cabana uma moça de uns 18 anos, com um lenço e moedas cobrindo-lhe a cabeça, era a cigana mais bonita que eu vi em minha vida. Cabelos ruivos, ondulados chegando a altura da cintura, corpo de uma sereia; quando cheguei mais perto vi que seus olhos eram da cor da esmeralda. Logo meu coração já tinha dona. A noite inteira não consegui desprender os olhos dela, a sua dança e o seu jeito de caminhar me enfeitiçaram; a paixão atingira meu coração.
Naquela noite não tive oportunidade de conversar com ela, não consegui pegar no sono, só a imagem dela vinha em minha mente.
Pelas frestas da minha barraca vi que o dia começava a raiar, levantei e fui contemplar a bela paisagem. Distraído não notei que ela caminhava em minha direção, perguntou se podia sentar-se ao meu lado. Tomei um susto, ela sorriu e sem palavras, apenas consenti com a cabeça.
Notei que ela ainda estava com a roupa da festa, porém sem lenço e as moedas, pude então ver a perfeição do seu rosto. Perguntou de onde vínhamos, falei que vínhamos da Cataluña e iríamos para Saintes-Maries-de-La-Mer, lugar sagrado para o povo cigano. Lá Santa Sara chegou com as três Marias (Maria Jacobina, Maria Salomé e Maria Madalena) depois de navegar por mar revoltoso e sem remos. Ela me disse que queria sair da Espanha, mas seu pai o velho Ítalo não queria sair de sua terra natal. Perguntou o meu nome, disse Ramirez, quis saber o dela e ela me falou Madalena.
Conversamos durante horas que para mim pareceram minutos.
Mais tarde durante o almoço ao saborear um carneiro assado, sentada ao meu lado logo percebi que meu amor era correspondido.
Ela era a terceira filha e disse que o pai nunca a deixara namorar. Fiquei mais preocupado, falei que gostaria que ela seguisse o meu grupo como minha esposa e ela me respondeu que dificilmente teria a permissão do pai dela. Me propus a falar com o pai dela. Na mesma noite fui ter com ele.
Ítalo era um cigano corpulento, seu bigode chegava ao queixo, contei que estava apaixonado por Madalena e era correspondido, queria a sua permissão para tê-la como minha esposa e acompanhar o meu grupo. Ele se levantou, andou de um lado para o outro, parou e me disse “Vou deixá-lo cortejá-la, mas para levá-la terá até o fim de semana para pagar o dote de 30 mil réis (este era o valor aqui na época), só assim permitirei que ela o acompanhe”.
Era muito dinheiro, eu não tinha nem 10 mil réis, mas falei que arrumava. Agradeci e saí. Fui direto a cabana de meu tio, homem que me criou e que sempre tive como meu pai, contei o ocorrido, ele disse que também não tinha tudo, perguntou se eu queria realmente a moça, disse que a quero e que nunca mais pediria nada a ele se ele me fizesse esse favor. Ele como um bom pai me prometeu que arrumaria com os outros ciganos.
Dois dias antes do prazo final paguei o dote.
A noite foi feita outra festa com danças, fogueira e comida a vontade, era o meu noivado. Dois dias após, uma noite antes da nossa partida houve outra festa, agora de despedida do meu grupo e do meu casamento.
Foram dias de festa interna em meu coração.
Vivi bons anos com minha amada, tivemos três filhos, dois meninos e uma menina.
Já em terras francesas, meu grupo que adorava aquele clima ameno, estava radiante, fomos até o porto Saintes-Maries-de-La-Mer.
Um dia já com as crianças grandes, nosso grupo chegou a uma cidade pequena, onde um menino tinha sido encontrado morto a beira de um rio. Boatos relatavam que fora obra de cigano e nosso grupo foi atacado durante a noite, não pouparam ninguém. A barraca que dormíamos foi incendiada, não deu tempo de ninguém sair. Meu espírito já fora do meu corpo viu a minha amada abraçada aos meus filhos, todos mortos.
Vaguei sem rumo achando tudo culpa de Deus, praguejei. Vivi como um espírito obsessor, naqueles que aniquilaram o meu povo.
Depois de muito tempo vivendo daquele modo fui socorrido por irmãos de luz. Entre eles estava Madalena, a alegria tomou conta de mim, chorei até ficar sem forças.
Agora com a ajuda dos irmãos de luz e de minha amada, trabalho pela bandeira da Umbanda, tendo esse irmão que me dá a oportunidade de redimir meus erros do passado e também a essa alma gêmea que ainda me auxilia, atendemos na linha dos ciganos sob o manto de Santa Sara.
Salve a Umbanda!!!

Orlando Garcia (Aluno de Sacerdócio - FUCESP)

MORCEGO

MORCEGO

Já passava das dez da noite, quando o barulho de uma multidão se aproximando me chamou a atenção. Pela janela vi que várias pessoas cercavam o castelo onde eu morava, muitos estavam com tochas nas mãos, eram os homens da Inquisição seguido pela população ávida pela desgraça alheia. Estavam dispostos a adentrar o castelo, achavam que eu era um bruxo, um “adorador do diabo”.
Desde pequeno fui criado dentro do castelo que pertencia aos meus pais, junto com minhas duas irmãs. As duas fazendo companhia uma para a outra, brincavam pelo parque, jardim e varanda com suas bonecas; eu pela ausência de meninos me apeguei muito a um casal de escravos que serviam dentro de casa, era o Jefrey e a bondosa Mary. Esses dois me ensinaram desde pequeno a magia do vudu e também todo tipo de feitiçaria que conheciam.
Passados muitos anos, o casal de escravos devido a idade veio a falecer, pouco depois também perdi minha mãe e alguns meses após a sua morte meu pai também nos deixou. Minhas irmãs já casadas foram morar com seus maridos em uma região próxima as nossas terras.
A Bélgica é uma região onde o sol poucas vezes consegue aparecer entre as nuvens, tornando assim o lugar frio e sombrio.
A feitiçaria que aprendi, as vezes ajudava a quem me procurava, tanto para fazer o bem quanto o mal.
Vivi assim muitos anos, sozinho me dediquei de corpo e alma a aprender mais e mais feitiçaria; quando sabia que havia algum feiticeiro em outros lugares, me deslocava até lá e gastava o que precisasse para aprender algo que não soubesse.
Alguns anos depois começou um movimento de caça as bruxas, homens e mulheres que não agiam de acordo com a igreja, eram queimados em praça pública, o cerco começava a se fechar para mim.
A Inquisição estava na minha porta. O desespero tomou conta do meu ser quando lembrei que havia uma passagem secreta, ou seja um túnel de aproximadamente uns dois a três quilômetros, feita na época da guerra pelos meus pais para se necessidade houvesse, pudesse fugir para o bosque, tanto a minha família, como os oficiais que serviam ao meu pai.
Portas começaram a ser derrubadas, a casa saqueada; o que não queriam, quebravam.
Ao sair no bosque vi que o castelo ardia em chamas. Um quarto onde estava difícil para eles arrombarem, embora usando toras, quando conseguiram, de dentro deste aposento saiu voando um morcego. Como não me encontraram, o povo na sua ignorância deduziu que este morcego fosse eu.
Dali em diante ao saber disso adotei o nome de “Morcego”.
Com o ouro que consegui levar comigo me estabeleci em outra cidade próxima as montanhas, só vinha a cidade quando precisava de algum suprimento. Mas não tinha mais paz, o medo da inquisição e os pesadelos onde sempre havia alguém tentando se vingar de mim pelas maldades feitas através das feitiçarias não me deixavam dormir, cheguei ao desespero de tentar não dormir.
Um dia ao comprar suprimentos na cidade conheci Elizabeth, era linda, loira, olhos azuis da cor do mar, me apaixonei e fui correspondido, conheci o verdadeiro amor. Nos casamos e desse dia em diante meus pesadelos cessaram. Porém pouco tempo vivi ao seu lado, uma forte dor no peito pôs fim a minha vida.
Não queria ir embora, logo agora que completara 57 anos e vivia feliz, mas era tarde; uma nuvem de pessoas que queriam vingança me arrastaram, sofri, apanhei, fui jogado a lama do Umbral, um local frio e escuro onde havia lamurias e gritos horripilantes. Chorei, pedi proteção a Deus, mas nada consegui.
Passei muitos anos no Umbral até que fui tirado de lá por uma falange. Tive que trabalhar muito para um guardião. Lá eu era chamado, “invocado” a recintos onde realmente adoravam o diabo. Aqui na terra é chamado Magia Negra, trabalhei achando que esse trabalho poderia melhorar a minha situação, porém só cavava mais o meu inferno astral, até que conheci o Exu Calunga. Ele me levou para sua falange, hoje já refeito aprendendo a conhecer um pouco da luz, trabalho na umbanda. Tendo meu filho como instrumento, ainda guardo resquícios de vidas passadas, rancor, ressentimento e ódio ainda habitam o meu coração.
Aos poucos estou melhorando, conseguindo trabalhar para o bem.
Agradeço ao meu pai Oxalá e ao Exu Calunga a oportunidade de defender a bandeira da Umbanda.
Laroyê Exu, Laroyê Exu, Laroyê Exu...
Exu é Mojubá!!!!

Orlando Garcia (Aluno de Sacerdócio - FUCESP)

segunda-feira, 9 de julho de 2012

SOLDADO DO ALÉM

SOLDADO DO ALÉM

Era filho único de uma família militar onde meu pai serviu ao trono a vida inteira, tornando-se um  oficial respeitadíssimo; não pude fugir ao meu destino.
Em minha família o tratamento com todos sempre foi muito sério e até mesmo severo; logo de pequeno já era tratado como um mini soldado.
Antes de passar a fase adulta, ainda na adolescência já me encontrava entre as fileiras da tropa real, mesmo sendo filho de um oficial não tive privilégios, comecei como um qualquer, pois esse era o desejo de meu pai.
No quartel comecei aprender táticas de guerrilha e contra-guerrilha que me salvaram de inúmeras batalhas. Lá também tínhamos Ordem Unida, aquelas marchas que os soldados fazem em fileiras com comando ou sem comando ensaiadas,  usadas principalmente em desfiles.
Tínhamos também o combate corpo a corpo onde simulávamos lutas como na vida real. Lá aprendi que o filho chora e a mãe não vê e também que dentro do exército, nosso pai é a pátria e nossa mãe a bandeira.
Atuava pela infantaria, tropa que dá o primeiro combate e tenta fazer o maior estrago possível ao adversário. O risco de morte é maior, a tropa inimiga está completa, sem baixa alguma.
Perdi vários companheiros e outros que conseguiram voltar, estavam mutilados de algum membro.
Aos poucos fui ganhando o respeito da tropa e dos comandantes, embora jovem,  a batalha estava no meu sangue.
Por isso nunca me casei e pouquíssimas mulheres conhecí, não queria deixá-la viúva, sabia que saía, não sabia se voltava.
Com o coração empedrecido, durante a batalha não poupava ninguém, homens, mulheres e até mesmo crianças. Inimigo era inimigo.
Assim foi a vida desse soldado, promoções e medalhas recebi várias, o que deixava meu pai coberto de orgulho.
Anos depois perdi minha mãe, isso fez com que meu pai se debilitasse, adoecendo e contraindo o Mal de Alzheimer, nem de mim mesmo se lembrava.
Agora sozinho no mundo me dediquei de corpo e alma  ás batalhas, isso só me dava mais confiança. A espada que era de meu pai agora era minha, comecei a fazer marcas ao lado dela para cada vida que eu tirava, até ela estar marcada por inteiro.
Um dia já com a batalha vencida, fui recolher um dos meus soldados que estava ferido ao solo, quando senti o aço da espada me dilacerando pelas costas, só deu tempo de virar e ver o responsável pela minha morte. Era um menino de doze a treze anos, segurando uma pequena espada na mão e tremendo muito. Ainda tinha força para lhe cortar a cabeça, mas simplesmente o agradeci. Agora eu estava livre, não mais teria batalhas terrenas para lutar.
Depois de muito tempo vagando entre as sombras, fui resgatado, tratado e trabalho ainda na infantaria, abrindo o caminho dos muitos que procuram ao meu filho, ajudando-os nas suas batalhas diárias, sob a bandeira da Umbanda e o comando do nosso pai Ogum.

OGUNHÊ!!! PATACORI OGUM !

Orlando Garcia (aluno de sacerdócio - FUCESP)

ZÉ DAS PEDRAS

ZÉ DAS PEDRAS

O sol ardia, o clima seco dava impressão de mais calor, eu acabava de chegar a minha roça de onde tirava o que precisávamos para o nosso sustento,mas o meu principal meio de trabalho eram as pedras que tirava de minhas terras.
Casado e com seis filhos não era possível viver com fartura, mas graças ao bom Deus fome nunca passamos e também sempre acolhíamos os que nos procuravam, até mesmo os homens de meu compadre Conselheiro.
As pedras que eu tirava eram usadas nas estruturas das casas da cidade, muito conceituado eu sempre era solicitado pela população para fornecê-las, mas nesse dia não havia ninguém acolhido em minhas terras.
Estava distraído quando o barulho dos cavalos me chamou a atenção, ao me voltar já estava cercado por uma tropa de soldados, queriam saber dos homens do Conselheiro, disse: "Há dias não os vejo, não sei de seu paradeiro".
Não acreditaram em mim e começou ali a minha tortura; foram horas, levei socos, chutes e tive parte dos dedos e orelhas cortados. Como eu nada sabia e não tinha o que contar, nada falei, mas acharam que eu os  estava acobertando, e por fim fui amarrado pelas mãos e puxado por corda atada a sela de um cavalo. A dor era imensa, a esfoliação com a terra e as pedras ardia, senti a carne se desprendendo dos meus ossos, mas como Deus é misericordioso eu desmaiei. Ali desacordado fui largado.
Horas depois, meu filho mais velho veio me ajudar nas lidas da roça e me encontrou ali caído e coberto de sangue, mal respirava. O desespero tomou conta do rapaz, ele não sabia se me carregava ou ia procurar ajuda, porém como a cidade era longe e ele não conseguiria me levar, foi em busca do socorro como um desesperado. Ao chegar na cidade foi procurar pelo doutor e contou o ocorrido. Vieram a galope, mas ao chegarem já me encontraram sem vida.
Dias de agonia passei, não conseguia perdoar meus agressores e por isso não aceitei o auxílio dos nossos mensageiros de luz, eu queria vingança e ela me cegou. Segui as tropas como se pudesse atacá-los, não sei quanto tempo passou,  até que me cansei ao ver que aquilo que eu queria eu não estava conseguindo e só mal a mim fazia. Eu estava um farrapo humano.
Chorei e pedi a Deus socorro, e logo fui acolhido. Hoje trabalho sob a bandeira da Umbanda, na linha de nosso pai Xangô, tento levar a justiça a quem nos procura, a mesma justiça que eu achei não ter tido, só não sabia que estava resgatando erros de outras vidas.
Por isso meus irmãos, vocês são frutos do que plantaram, ajam com Deus no coração.
Agradeço ao meu pai Oxalá a oportunidade de cumprir essa nobre missão junto ao meu filho.
KAÔ KABECILÊ!!!

Orlando Garcia (aluno de sacerdócio - FUCESP)

quarta-feira, 4 de julho de 2012



DESCAMINHOS DE UM CAMINHONEIRO


Era tarde, já passava da meia noite, nem o “rebite” fazia com que meus olhos ficassem abertos, o sono e o cansaço estavam me vencendo, mas mesmo assim eu tinha que continuar, a carga estava atrasada; o ronco do motor de meu Chevrolet Gigante era tudo o que eu ouvia, mas de repente tudo sumiu. Despertei com o barulho de mato se quebrando e ferro se retorcendo, o gigante caiu de uma serra.
Quando acordei vi meu corpo preso as ferragens, e coberto de sangue. Meu caminhão estava irreconhecível. Meu corpo permaneceu na mata por vários dias, os vermes já estavam me atacando quando o cheiro fez com que dois mateiros achassem eu e o meu gigante.
Fui levado para a cidade mais próxima, lá fiquei e ninguém de minha família apareceu. Fui enterrado numa cova rasa como um indigente.
A primeira noite, já debaixo de sete palmos fui arrancado de dentro do meu caixão por garras e ao som de uma terrível gargalhada. Me fizeram escravo de uma falange de Exus ainda sem nenhum conhecimento do que é certo ou errado, me trataram como se bicho eu fosse.
Tive que fazer muito “serviço sujo”, pago por pessoas sem amor no coração.
Aos poucos fui ganhando meu espaço e hoje trabalho como Exu Estrada, na linha de nosso Pai Ogum, resgatando tudo o que fiz de errado nessa minha passagem terrena.
Em cada cidade que eu passava, mulher eu assumia, e filhos tive vários, nem sei ao certo quantos. Nunca me importei com o sentimento delas, e nem amor de pai nunca dei. Só tirei proveito em meu próprio benefício.
Agora esta é minha sina, ajudar a quem nos procura, tirar o que o ser humano mesmo, põe em seu semelhante, a inveja, o ódio, a cobiça, e os trabalhos pagos para aqueles irmãos que ainda não encontraram o caminho da luz.
Saibam, o diabo está dentro de cada ações erradas que cometemos.
Eu, Exu Estrada juntamente com meu “cavalo” trabalhamos sob a bandeira da Umbanda, abrindo os caminhos de quem nos procura.
Só o amor é o caminho, Ame e será Amado,
Laroiê Exu!!!
Exu é Mojubá!!!

Orlando Garcia (aluno de sacerdócio - FUCESP)

terça-feira, 3 de julho de 2012

GIRASSOL




GIRASSOL


Era uma manhã de outono, começava a raiar o dia, o sol aparecia entre as montanhas que circundavam a nossa aldeia. Nossa aldeia ficava na região central do Brasil, lugar quente e de vasta vegetação, água ali era o que não faltava.
Ao principiar o dia um grito de dor acordou a todos, era minha mãe Cabocla Amanary (Água de Chuva) que estava dando a luz. Várias mulheres a ajudavam, pois o parto estava se complicando, lá fora os homens rodeavam a fogueira e faziam as suas orações, cada um ao seu modo. Colocavam água para aquecer. Cabocla Eirubá (Abelha Rainha), a índia mais experiente em partos, começou seu ritual. Uma hora e meia de agonia se passaram, ouve-se o choro de uma criança. Eirubá saindo da oca com a criança nos braços levantou-a acima da cabeça e chamou meu pai Aracaê (Pássaro Briguento), "Aqui está o seu filho". Nessa hora o sol bateu em meu rosto e meu pai falou "Girassol". E esta imagem da índia com o braço levantado representa eu até hoje, um índio segurando um sol ao alto da cabeça. Este foi o nome que recebi nessa vida.
Vivíamos bem, como falei o lugar era fértil, somente a cheia é que nos preocupava.
Cada um de nós tínhamos nossas obrigações. Durante a juventude eu caçava e pescava.
Ainda na adolescência casei-me com Tainaçã (Estrela da Tarde). Meus dias foram de muita felicidade , eu a amava e tudo fazia para vê-la feliz. Tivemos sete filhos, cinco mulheres e dois homens.
Pouco antes de completar os quarenta anos a perdi. Ela começou com dores na região da barriga. Essas dores só aumentavam, todo tipo de erva foi usado, mas nada amenizava essas dores, e um dia não mais acordou.
A minha Estrela da Tarde foi embora, deixando apenas um vazio no meu coração. Minha vida parecia que também tinha acabado. Parei de pescar, parei de caçar e só comia o que me levavam.
Certa vez fui chamado a ser um dos conselheiros e juiz do meu povo, aí comecei a sentir que minha vida não tinha acabado, vi que eu tinha valor para outros e me dediquei de corpo e alma pela justiça.
Morri velho, já tinha passado por grandes perdas em minha vida, meus pais, meu grande e único amor, meus dois filhos e uma filha.
Hoje resgatado pelas falanges de nosso pai Xangô, trabalho sob a bandeira da umbanda, tendo meu filho como instrumento para levar a quem nos procura Paz, Amor e Justiça.
SALVE A UMBANDA, SALVE MEU PAI XANGÔ.
KAÔ KABECILÊ....


Orlando Garcia (Aluno de Sacerdócio - FUCESP)

MÁGOA DE BOIADEIRO


MÁGOA DE BOIADEIRO


Nasci em uma aldeia na extremidade sul do nosso País. Nossa aldeia era constituída de poucos índios vivíamos da caça, da pesca e de poucas coisas que cultivávamos: animais domésticos eram apenas para nossa alimentação e brinquedo das crianças; cavalos somente os selvagens, alguns que nós conseguíamos domesticá-los, eu desde cedo fui aprendendo com os mais velhos a doma dos selvagens, logo fui me aperfeiçoando. Vivíamos bem, não tínhamos fartura, mas nada nos faltava.
Eu era o terceiro filho de uma família de nove, meu pai homem calado mas um bom pai me ensinou tudo que aprendi em minha existência nessa terra, porém não pude conviver com ele muito tempo; quando fiz 13 anos, logo depois da minha passagem de criança ao mundo dos adultos ele foi picado por uma cobra. O pajé e o curandeiro fizeram de tudo mas infelizmente não teve jeito, depois de quatro longos dias ele nos deixou.
As coisas só pioraram, porque seis meses após sua morte perdemos também minha mãe querida, mulher de fibra, guerreira, mas que teve suas forças minadas pela solidão. Num dia de frio intenso que faz nessa região não mais acordou. A tristeza varreu toda aldeia, foram dias de luto e dança para entrega de sua alma. Com o passar dos dias as coisas foram se encaixando, as mulheres da aldeia ajudaram na criação dos meus irmãos mais novos juntamente com duas irmãs que eu tinha, mesmo ainda muito novas assumiram a missão de criarem seus irmãos pequenos e eu me dediquei de corpo e alma a doma dos selvagens.
Um dia ao cruzar um vale próximo aos pampas aos pés das Araucárias vi o cavalo mais lindo que meus olhos já tinham visto. Era marrom com partes das patas de um branco intenso como a neve que cai nessa região; eu jurei que ele seria meu e depois de três dias em seu encalço finalmente o peguei. A briga foi boa mas no final cheguei cavalgando-o em minha aldeia; o povo logo me rodearam para ver a bela espécie.
A moça que já era dona do meu coração se encantou com o animal e eu tímido não tive coragem de convidá-la para um passeio, mas o tempo foi meu aliado e dias depois estava eu cortejando-a a beira do rio Ibicuí, quando lhe dei o meu primeiro beijo, parecia que estava num sonho e logo fiquei mais apaixonado.
Nosso dias foram de muita felicidade, mas parece que meu destino era sofrer. Naquela época começaram ataques às aldeias para tornar os índios escravos. As aldeias eram atacadas sem mais e nem menos.
Certa vez voltava eu e mais quatro amigos de uma caçada, trazíamos perdizes e marrecas caneleiras, quando avistamos nossa aldeia todo queimada; não havia ninguém vivo, somente corpos espalhados. Procurei como louco minha amada, mas nada, nem um rastro, somente identifiquei de minha família dois irmãos.
Daquele dia em diante meu coração secou, somente sobraram meu cavalo e um cachorro de cor preta que eu possuía, chamado Lobo, meu fiel amigo, saí dali deixando para trás meus companheiros de caça, que nunca mais vi.
Após dias cavalgando cheguei numa fazenda de nome Santa Cruz; lá fui pedir emprego, um senhor de meia idade me recebeu, eu que falava pouco do português, carregado num sotaque indígena misturado ao castelhano, com muita dificuldade me entendeu. Logo lhe contei as minhas habilidades no lombo de um cavalo, ele me deu uma guarida, comida e um rancho para repousar, dali para frente fui seu Boiadeiro Fiel de poucas palavras mas de muita ação, o que mais me orgulha é nunca ter perdido uma res em minha vida mesmo aquelas que se embrenhavam entre os espinhos.
Só que com o coração endurecido não levava desaforo para casa, nem brincadeiras aceitava, muito menos quando maltratavam o Lobo, por causa disso muita vidas eu tirei, logo minha fama correu pela fazenda o que era aconselhado pelo patrão a não mexerem com o "indio".
Vivi muito anos, morri já de cabelos brancos, não sei precisar a idade, mas nunca mais amei e nunca tive uma companheira, a única que conheci, não sei se morreu ou se escravizaram, só a guardo no meu coração...
Agora já restabelecido e encontrando a Luz começo a trabalhar, aprendi com a Umbanda muitas coisas,sob o manto de nossa mãe Oxum, quando giro o meu laço tiro toda a mandinga, todas as influências negativas, com muita garra e força espiritual, trago humildade, amor e fé.
Agradeço ao nosso Pai a oportunidade de junto ao meu filho poder redimir meus erros!!!
SALVE PAI OXALÁ, SALVE MINHA MÃE OXUM!!!
E BOI! E BOI! E BOI!!!


Orlando Garcia (aluno de sacerdócio - FUCESP)   

TRAJETÓRIA DE UM MALANDRO


TRAJETÓRIA DE UM MALANDRO


Nasci no nordeste brasileiro; desde pequeno fui obrigado a enfrentar as dificuldades da vida, morando num local muito humilde onde a necessidade fazia parte do nosso cotidiano. Vivia pelas ruas onde algumas vezes conseguia algo para nossa familia, dado por pessoas de bom coração; outras vezes eu conseguia surrupiando dos mais desatentos.
Na adolescência aprendi a arte da capoeira e das cartas do baralho e disso tirava o meu sustento. Minha familia era muito grande, com irmãos espalhados por esse Brasil afora. Logo também tive que procurar a vida em outro lugar, pois ali minha vida teria sido mais curta.
Já na capital federal, mais precisamente no bairro da Lapa, subúrbio carioca tentei levar a vida honestamente, procurei emprego, mas como não tinha qualificação, não consegui. Tive que voltar ao jogo, ora cartas, ora sinuca; disso tirava o meu dinheiro.
Conheci muitas mulheres, principalmente as da noite, mas somente uma foi dona do meu coração. Era linda, com cabelos encaracolados, olhos negros como a asa da graúna, chamava-se Maria, mas era conhecida como Maria Padilha. Mulher forte e decidida, devido seus conhecimentes muitas vezes me tirou de várias enrascadas. Quando não era ela, era o meu punhal e minha capoeira que me livravam de brigas e da polícia.
Essas divergências se davam por homens que se achavam lesados ou ludibriados durante o jogo, ou por maridos enciumados, me responsabilizando por pulada de cerca de suas esposas. Assim foi a vida desse malandro até os 33 anos, quando fui pego de surpresa por um desafeto e apunhalado. A dor era imensa, ardia, meus sentidos foram sumindo, logo tudo escureceu. Acordei num local escuro, repleto de lama. Parecia um brejo, só que pela lama arrastavam-se pessoas em situação horrível, pareciam zumbis querendo agarrar a todos que por eles passavam, na tentativa desesperada de sair daquela situação.
Eu aos poucos consegui achar um local mais elevado e seguro, lá comecei a rever toda a minha vida, e vi que nada de bom havia feito para mim ou para qualquer pessoa que conheci, assim senti que minha vida tinha passado em vão. Chorei como nunca havia chorado, quando parei senti que de meu peito havia sumido toda mágoa, me senti bem melhor. O local onde eu estava tinha mudado, já não era o mesmo que eu estava anteriormente. Agradeci a Deus e a Ogum, meu orixá de devoção e supliquei por ajuda.
Pouco depois, irmãos de luz vieram em meu socorro. Assim hoje, já recuperado tento ganhar luz, trabalhando sob a bandeira da Umbanda, usando meu filho como instrumento. Trabalho trazendo alegria e a minha magia, e assim tirando de quem nos procura, toda a feitiçaria.
Salve a linha dos Malandros. Salve seu Zé Pilintra...



Orlando Garcia (Aluno de sacerdócio - FUCESP).

AGONIAS DE UM ERÊ


AGONIAS DE UM ERÊ


Eu morava num sítio não muito grande no interior de São Paulo. Minha familia era pequena, apenas 5 pessoas. Eu Pedrinho, meu avô, sr Abelardo, senhor de idade já avançada, viúvo há muitos anos. Residia numa casa afastada da nossa onde morava só, porém compartilhava conosco das refeições e dos afazeres do sítio. Entre eles ajudava meu pai na lida, no cuidado com os animais e em tudo aquilo que ele ainda conseguia fazer. Seu Antonio, meu pai, homem rude, trabalhador árduo das lidas do dia. Tudo que ali era plantado e produzido era comercializado ou melhor era barganhado por aquilo que precisávamos, na cidade que ficava aproximadamente uns 40 km de onde morávamo. Raras vezes eu fui com meu pai a cidade, mas as vezes em que fui fiquei encantado com a movimentação, com o corre-corre, com as crianças bem vestidas, com o doces embrulhados naqueles papéis coloridos. Minha mãe dona Terezinha, mulher de pulso forte comandava a tudo e a todos com firmeza, inclusive meu pai. Todos aceitavam o que ela determinava.
Emanuel meu irmão pequeno e único de três anos, vivia agarrado a barra da saia de minha mãe, não saía da casa para quase nada.
Eu, moleque arteiro, poucas vezes recebia meus colegas para brincar em meu sítio, pois todos moravam longe.
Bagunçava muito o que dava muita dor de cabeça para minha mãe. Quando escutava o grito "Pedrinho!" ou alguém batendo na porta chamando "Dona Terezinha!", meu cabelo já ficava em pé, pois sabia que bronca iria receber e olha que ela pegava firme com a vara de marmelo. Eu adorava brincar com bolinhas, tudo que referia-se a bolinhas, ou tivesse o formato de uma bola, como por exemplo, um limão, uma pequena laranja, mamona, era meu divertimento predileto. Adorava caçar passarinhos, montar arapucas, mas como sempre, muitas vezes não obedecia minha mãe. Toda vez que podia eu pregava uma peça em meu avô. Amarrava lençóis no alto próximo a sua cama enquanto ele dormia, para que quando acordasse pensasse ser assombrações, pois ele as temia. O mesmo contava para minha mãe, e novamente eu entrava na vara de marmelo.
Uma vez e a última desobedeci minha mãe, ela me falou para não ir pegar as pedrinhas na beira de um córrego que passava no fundo do nosso sítio. Pedrinhas coloridas de forma cilíndricas de que eu tanto gostava. Mas como sempre, teimoso, não obedeci, fui catá-las. Entrei no rio, fiquei fascinado, era uma pedrinha redonda aqui, umas de cor diferente ali, e fui me empolgando a pegá-las, mas quando menos percebi, pisei em falso, fui levado pela água e pela correnteza do rio, rolei, aquele desespero tomou conta de minha alma, não tinha um galho, não tinha nada em que eu pudesse me segurar, nada que eu pudesse fazer para reverter aquela situação, simplesmente apaguei. Horas depois, ou dias, não sei precisar, acordei deitado no gramado próximo a minha casa. Ao abrir os olhos, notei que no sítio em que eu morava estava repleto de gente, muitos daqueles meninos que brincavam comigo também estavam lá, porém seus semblantes, não eram de crianças que vieram para brincar, trajavam roupas de cores escuras. Mais precisamente na sala da minha casa estava repleto de gente, minha mãe debruçada sobre um caixão pequeno de cor branca, chorava copiosamente. Nada fazia com que ela se conformasse. Ao seu lado meu pai chorava desesperadamente e a culpava pelo fato ocorrido. Quando cheguei mais perto e consegui olhar no caixão, para minha surpresa, meu corpo estava lá, e minha mãe chorava, gritando "meu filho, por quê você fez isso? Por quê não me obedeceste?". E eu gritava: "Eu estou aqui! Não estão me vendo, eu não morri!", mas niguém me ouvia, nada do que eu falava era ouvido por qualquer um que estava ali Meu pai que a culpava até aquele momento foi levado para um quarto no fundo pelos meus tios, acompanhado do meu avô, ele chorava compulsivamente, como se algo tivesse pesando sobre seus ombros. Eu corri para um lado, eu corri para outro, tentava falar com um, tentava falar com outro, e ninguém me ouvia. Entrei em desespero, comecei a chorar, pedi a meu Pai do Céu que me ajudasse: no mesmo instante uma luz forte adentrou aquele recinto. Não pude enxergar mais ninguém. A claridade era imensa, entre essas luzes apareceram duas pessoas, um senhor de cor escura, uma cor que raras vezes eu vi e uma moça clara e mais alta que esse senhor. Ambos estenderam a mão em minha direção, e eu não sei porque as acolhi. Fui levado dali. Após dias ou meses, não sei precisar, fui me recuperando e hoje graças a linha de Cosme e Damião estou recuperado e trabalhando na linha da Umbanda sob a bandeira branca de nosso pai Oxalá. Atendo na linha dos Erês compartilhando com esse filho de umbanda a missão de trazer a alegria, a espontaneidade das crianças, para tirar um pouco a agonia e o sofrimento que os adultos relutam em trazer consigo. Trago toda a ingenuidade das crianças para que os adultos ajam como as crianças que quando gostam, não sabem ser dissimuladas e quando não gostam, não escondem os sentimentos.
Agradeço ao meu pai Oxalá, por compartilhar com esse irmão, a oportunidade de estar redimindo coisas de vidas passadas, que nessa vida última, apenas me foram necessários 6 anos para pagar o que eu tinha deixado para trás. E por isso digo: SALVE A UMBANDA, SALVE A UMBANDA, SALVE A UMBANDA... SALVE COSME DAMIÃO...


Orlando Garcia (Aluno de Sacerdócio - FUCESP)Eu

MARTÍRIO DE UM PRETO VELHO


MARTÍRIO DE UM PRETO VELHO


Estava eu voltando de um curso que em breve me tornaria um líder religioso em minha terra, quando fui violentamente apanhado por homens armados que me colocaram em uma carroça no formato de jaula. Iniciava aí o meu martírio; fui levado por ela durante dias até chegarmos num porto, onde presenciei homens, mulheres e crianças passando pelo mesmo infortúnio que eu, mulheres separadas dos seus filhos, filhos chorando a separação de suas mães, homens que não poderiam mais alimentar seus entes queridos.
Dentro desse navio passei a pior humilhação que qualquer ser humano possa passar, até que depois de muitos dias chegamos em terra firme. Fomos obrigados a descer, minhas correntes deixavam marcas nas areias, marcando minha passagem e desenhando o meu futuro; roguei aos meus orixás que não me abandonassem.
Fomos levados a uma praça onde fomos vendidos, como os animais que também ali eram comercializados. Logo conheci o senhor que dali para frente decidiria o que seria o meu destino.
Era um homem de aproximadamente 40 anos, rude mas de bom coração.
Após chegarmos em suas terras fui apresentado ao capitão do mato e aos demais escravos como eu. Pela primeira vez em minha vida eu iria trabalhar, pois sendo de uma família abastada e colocado desde cedo para ser um líder religioso nunca tinha pego numa enxada. Minhas mãos logo ficaram cheias de calos, trabalhei durante uns três meses na plantação de couve flor.
Um dia meu senhor me chamou e disse: “Você não vai mais trabalhar na lida, será meu reprodutor, você tem um bom porte físico e terei bons escravos”.
Achei que minha vida melhoraria, ledo engano, parece que o meu destino estava traçado para as pessoas não gostarem de mim. Em minha terra a maioria não gostava de mim devido a minha situação financeira e a posição social; aqui os brancos não gostavam por eu ser negro e agora nem os negros, por eu ter que dormir com suas filhas e até mesmo com suas mulheres.
Mas tudo que está ruim ainda pode piorar... Fui logo me apaixonar pela criatura mais linda que vi em minha vida, a Sinhazinha, filha do dono dessas terras. Tivemos lindos dias de amor as escondidas, bem escondidas, mas o destino novamente me foi cruel, vim saber que minha amada estava esperando um filho meu. Seu pai ao saber indagou quem era o pai do filho que ela carregava no ventre, não demorou muito para ele chegar até a mim. Seu pai, um senhor como disse, rude mas de bom coração me falou: “Não vou te matar porque você é pai do futuro neto que terei, mas viverá enquanto vida tiver, dentro do nosso cemitério, não sairá de lá em hipótese alguma, pois se sair morrerá. Comerá do que cultivar e beberá da bica que passa por lá”.
Assim foi minha vida durante anos e olha que vivi muito, convivendo junto com as almas que ali residiam, longe dos muitos filhos que tive e de um que antes de conhecer a minha amada, pedi a Deus que me desse um amor. E como tudo que eu pedi em minha vida, nunca tive, mas o que precisava, recebi. Este meu caçula nasceu com deficiência física. Eu o tratava como a jóia mais valiosa que alguém pudesse ter. Desde o dia em que fui enterrado vivo dentro daquele cemitério, apenas algumas vezes pude vê-lo novamente; aí sim entendi o que é o amor.
As pessoas que necessitavam dos meus benzimentos me davam alimentos que nunca solicitei, pois um dom dado não pode ser cobrado. Agora do lado de cá, já desencarnado continuo trabalhando usando o corpo do meu filho, que temos muito em comum, cuido dele como se fosse meu filho de sangue e agradeço a nosso Pai por essa parceria que com ele realizo.
Fiquem na paz de Nosso Senhor OLORUM!!!


Orlando Garcia (Aluno de Sacerdócio - FUCESP)