segunda-feira, 23 de julho de 2012

Reencontro com a Fé

REENCONTRO COM A FÉ

Ainda era madrugada, o sol nem nascera, eu e meus dois irmãos empurrávamos nosso pequeno barco contra as ondas que teimavam em chegar a areia da nossa ilha.
Pedi permissão e proteção a minha mãe Iemanjá para adentrarmos em seus domínios.
Parecia um dia comum, mas em alto mar o tempo mudou, rajadas de vento nos forçaram a baixar as velas e o barco ficou a deriva; ondas enormes passavam por nós, nosso barco parecia um barquinho de papel na imensidão daquele mar revoltoso. Roguei por Deus e pedi a proteção de minha mãe Iemanjá para que não nos abandonasse.
Horas depois tudo se acalmou, nem parecia que aquele pesadelo tinha acontecido.
Ao chegar a praia vimos que os coqueiros estavam caídos e a vegetação tombada no sentido contrário ao mar, não havia uma casa em pé. Corri para minha casa onde havia deixado minha amada Helena, minha companheira há aproximadamente vinte anos e minhas filhas Heloísa e Irene, porém a casa não encontrei, só restos dos alicerces.
Sentei onde antes era minha casa e chorei copiosamente. Logo fui tocado no ombro, era meu irmão mais velho que chorando me falou que sua casa e a casa de meus pais também tiveram o mesmo fim. Neste momento blasfemei contra Deus, disse “nunca mais falarei o Seu nome e que minha Iemanjá tinha me abandonado, que não mais a tinha como minha mãe”.
Os dias se passaram, meu irmão mais velho tornou-se um alcoólatra, o mais novo saiu a procura de emprego em outra cidade e eu fui procurar ocupação numa cidade grande próxima a ilha onde vivi por quarenta anos.
Chegando a cidade não conseguia emprego devido a idade e a falta de qualificação, pois só sabia pescar e mergulhar, ofício que aprendi com meu pai e meu avô.
Andei por horas até escurecer. A fome começou a me incomodar, fui até um comércio próximo onde comprei uma broa, era grande e o preço pequeno. Voltei e fui dormir numa praça.
Quando o dia raiou abri os olhos e percebi bem ao centro uma bela igreja. Chorei muito e pedi a Deus que me desse uma prova para que eu pudesse voltar a acreditar Nele.
Saí a procura de serviço e já na hora do almoço um menino de uns doze anos veio me pedir que lhe pagasse algo para comer, perguntei onde estavam os seus pais, e ele me respondeu que os perdeu ainda muito criança. Quis saber quem cuidava dele, a resposta foi direta ao meu coração, falou-me que Deus era quem tomava conta dele e sempre colocava um anjo em seu caminho, que não o deixava passar fome. Paguei-lhe um almoço e o que me sobrou deu apenas para comprar dois pãezinhos.
Saindo dali percorri uns dois quarteirões quando avistei a beira do porto um homem trajando um uniforme branco muito bonito, recrutando homens para trabalhar em seu navio. Logo fui aceito, nem mesmo a minha idade foi empecilho, depois fiquei sabendo que este senhor era o Capitão responsável por aquela embarcação.
Comecei trabalhando na limpeza, logo fui promovido para imediato, ou seja, responsável por levar as ordens do capitão a quem quer que seja.
Um ano após, tornei-me o mergulhador do navio, morri bem velho aos noventa e dois anos, ainda na ativa. Mulheres, só tive as que o dinheiro pôde pagar, bebida há mais de vinte anos não ingeria.
Acabei como todo marinheiro sempre quis, no navio e o corpo entregue aos braços de minha mãe Iemanjá.
Agradeço a Deus pelo anjo que me enviou, ao qual paguei o almoço e que me trouxe a fé.
Hoje trabalho na umbanda e compartilho com meu filho a oportunidade de retribuir um pouco do muito que Deus me deu.
SALVE MEU PAI OXALÁ! SALVE ODOIÁ, MINHA MÃE IEMANJÁ, RAINHA DOS TESOUROS E SEGREDOS DO FUNDO DO MAR...

Orlando Garcia (Aluno de sacerdócio - FUCESP)

2 comentários:

  1. Quando achamos que tudo está perdido,deixamos de prestar atenção no que acontece ao nosso redor,envoltos por mágoas que cegam a nossa fé. Quando,o homem de bem,mesmo sem ter um credo ele não permite que o outro sofra,passe fome. Deus,está em todos os lugares onde menos achamos que ELE esteja,é onde ELE está. Salve!!!

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