MÁGOA
DE BOIADEIRO
Nasci
em uma aldeia na extremidade sul do nosso País. Nossa aldeia era
constituída de poucos índios vivíamos da caça, da pesca e de
poucas coisas que cultivávamos: animais domésticos eram apenas para
nossa alimentação e brinquedo das crianças; cavalos somente os
selvagens, alguns que nós conseguíamos domesticá-los, eu desde
cedo fui aprendendo com os mais velhos a doma dos selvagens, logo
fui me aperfeiçoando. Vivíamos bem, não tínhamos fartura, mas
nada nos faltava.
Eu
era o terceiro filho de uma família de nove, meu pai homem calado
mas um bom pai me ensinou tudo que aprendi em minha existência nessa
terra, porém não pude conviver com ele muito tempo; quando fiz 13
anos, logo depois da minha passagem de criança ao mundo dos adultos
ele foi picado por uma cobra. O pajé e o curandeiro fizeram de tudo
mas infelizmente não teve jeito, depois de quatro longos dias ele
nos deixou.
As
coisas só pioraram, porque seis meses após sua morte perdemos
também minha mãe querida, mulher de fibra, guerreira, mas que teve
suas forças minadas pela solidão. Num dia de frio intenso que faz
nessa região não mais acordou. A tristeza varreu toda aldeia, foram
dias de luto e dança para entrega de sua alma. Com o passar dos
dias as coisas foram se encaixando, as mulheres da aldeia ajudaram
na criação dos meus irmãos mais novos juntamente com duas irmãs
que eu tinha, mesmo ainda muito novas assumiram a missão de criarem
seus irmãos pequenos e eu me dediquei de corpo e alma a doma dos
selvagens.
Um
dia ao cruzar um vale próximo aos pampas aos pés das Araucárias vi
o cavalo mais lindo que meus olhos já tinham visto. Era marrom com
partes das patas de um branco intenso como a neve que cai nessa
região; eu jurei que ele seria meu e depois de três dias em seu
encalço finalmente o peguei. A briga foi boa mas no final cheguei
cavalgando-o em minha aldeia; o povo logo me rodearam para ver a
bela espécie.
A
moça que já era dona do meu coração se encantou com o animal e
eu tímido não tive coragem de convidá-la para um passeio, mas o
tempo foi meu aliado e dias depois estava eu cortejando-a a beira do
rio Ibicuí, quando lhe dei o meu primeiro beijo, parecia que estava
num sonho e logo fiquei mais apaixonado.
Nosso
dias foram de muita felicidade, mas parece que meu destino era
sofrer. Naquela época começaram ataques às aldeias para tornar os
índios escravos. As aldeias eram atacadas sem mais e nem menos.
Certa
vez voltava eu e mais quatro amigos de uma caçada, trazíamos
perdizes e marrecas caneleiras, quando avistamos nossa aldeia todo
queimada; não havia ninguém vivo, somente corpos espalhados.
Procurei como louco minha amada, mas nada, nem um rastro, somente
identifiquei de minha família dois irmãos.
Daquele
dia em diante meu coração secou, somente sobraram meu cavalo e um
cachorro de cor preta que eu possuía, chamado Lobo, meu fiel amigo,
saí dali deixando para trás meus companheiros de caça, que nunca
mais vi.
Após
dias cavalgando cheguei numa fazenda de nome Santa Cruz; lá fui
pedir emprego, um senhor de meia idade me recebeu, eu que falava
pouco do português, carregado num sotaque indígena misturado ao
castelhano, com muita dificuldade me entendeu. Logo lhe contei as
minhas habilidades no lombo de um cavalo, ele me deu uma guarida,
comida e um rancho para repousar, dali para frente fui seu Boiadeiro
Fiel de poucas palavras mas de muita ação, o que mais me orgulha é
nunca ter perdido uma res em minha vida mesmo aquelas que se
embrenhavam entre os espinhos.
Só
que com o coração endurecido não levava desaforo para casa, nem
brincadeiras aceitava, muito menos quando maltratavam o Lobo, por
causa disso muita vidas eu tirei, logo minha fama correu pela fazenda
o que era aconselhado pelo patrão a não mexerem com o "indio".
Vivi
muito anos, morri já de cabelos brancos, não sei precisar a
idade, mas nunca mais amei e nunca tive uma companheira, a única
que conheci, não sei se morreu ou se escravizaram, só a guardo no
meu coração...
Agora
já restabelecido e encontrando a Luz começo a trabalhar, aprendi
com a Umbanda muitas coisas,sob o manto de nossa mãe Oxum, quando
giro o meu laço tiro toda a mandinga, todas as influências
negativas, com muita garra e força espiritual, trago humildade,
amor e fé.
Agradeço
ao nosso Pai a oportunidade de junto ao meu filho poder redimir meus
erros!!!
SALVE
PAI OXALÁ, SALVE MINHA MÃE OXUM!!!
E
BOI! E BOI! E BOI!!!
Orlando
Garcia (aluno de sacerdócio - FUCESP)
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