terça-feira, 3 de julho de 2012

MÁGOA DE BOIADEIRO


MÁGOA DE BOIADEIRO


Nasci em uma aldeia na extremidade sul do nosso País. Nossa aldeia era constituída de poucos índios vivíamos da caça, da pesca e de poucas coisas que cultivávamos: animais domésticos eram apenas para nossa alimentação e brinquedo das crianças; cavalos somente os selvagens, alguns que nós conseguíamos domesticá-los, eu desde cedo fui aprendendo com os mais velhos a doma dos selvagens, logo fui me aperfeiçoando. Vivíamos bem, não tínhamos fartura, mas nada nos faltava.
Eu era o terceiro filho de uma família de nove, meu pai homem calado mas um bom pai me ensinou tudo que aprendi em minha existência nessa terra, porém não pude conviver com ele muito tempo; quando fiz 13 anos, logo depois da minha passagem de criança ao mundo dos adultos ele foi picado por uma cobra. O pajé e o curandeiro fizeram de tudo mas infelizmente não teve jeito, depois de quatro longos dias ele nos deixou.
As coisas só pioraram, porque seis meses após sua morte perdemos também minha mãe querida, mulher de fibra, guerreira, mas que teve suas forças minadas pela solidão. Num dia de frio intenso que faz nessa região não mais acordou. A tristeza varreu toda aldeia, foram dias de luto e dança para entrega de sua alma. Com o passar dos dias as coisas foram se encaixando, as mulheres da aldeia ajudaram na criação dos meus irmãos mais novos juntamente com duas irmãs que eu tinha, mesmo ainda muito novas assumiram a missão de criarem seus irmãos pequenos e eu me dediquei de corpo e alma a doma dos selvagens.
Um dia ao cruzar um vale próximo aos pampas aos pés das Araucárias vi o cavalo mais lindo que meus olhos já tinham visto. Era marrom com partes das patas de um branco intenso como a neve que cai nessa região; eu jurei que ele seria meu e depois de três dias em seu encalço finalmente o peguei. A briga foi boa mas no final cheguei cavalgando-o em minha aldeia; o povo logo me rodearam para ver a bela espécie.
A moça que já era dona do meu coração se encantou com o animal e eu tímido não tive coragem de convidá-la para um passeio, mas o tempo foi meu aliado e dias depois estava eu cortejando-a a beira do rio Ibicuí, quando lhe dei o meu primeiro beijo, parecia que estava num sonho e logo fiquei mais apaixonado.
Nosso dias foram de muita felicidade, mas parece que meu destino era sofrer. Naquela época começaram ataques às aldeias para tornar os índios escravos. As aldeias eram atacadas sem mais e nem menos.
Certa vez voltava eu e mais quatro amigos de uma caçada, trazíamos perdizes e marrecas caneleiras, quando avistamos nossa aldeia todo queimada; não havia ninguém vivo, somente corpos espalhados. Procurei como louco minha amada, mas nada, nem um rastro, somente identifiquei de minha família dois irmãos.
Daquele dia em diante meu coração secou, somente sobraram meu cavalo e um cachorro de cor preta que eu possuía, chamado Lobo, meu fiel amigo, saí dali deixando para trás meus companheiros de caça, que nunca mais vi.
Após dias cavalgando cheguei numa fazenda de nome Santa Cruz; lá fui pedir emprego, um senhor de meia idade me recebeu, eu que falava pouco do português, carregado num sotaque indígena misturado ao castelhano, com muita dificuldade me entendeu. Logo lhe contei as minhas habilidades no lombo de um cavalo, ele me deu uma guarida, comida e um rancho para repousar, dali para frente fui seu Boiadeiro Fiel de poucas palavras mas de muita ação, o que mais me orgulha é nunca ter perdido uma res em minha vida mesmo aquelas que se embrenhavam entre os espinhos.
Só que com o coração endurecido não levava desaforo para casa, nem brincadeiras aceitava, muito menos quando maltratavam o Lobo, por causa disso muita vidas eu tirei, logo minha fama correu pela fazenda o que era aconselhado pelo patrão a não mexerem com o "indio".
Vivi muito anos, morri já de cabelos brancos, não sei precisar a idade, mas nunca mais amei e nunca tive uma companheira, a única que conheci, não sei se morreu ou se escravizaram, só a guardo no meu coração...
Agora já restabelecido e encontrando a Luz começo a trabalhar, aprendi com a Umbanda muitas coisas,sob o manto de nossa mãe Oxum, quando giro o meu laço tiro toda a mandinga, todas as influências negativas, com muita garra e força espiritual, trago humildade, amor e fé.
Agradeço ao nosso Pai a oportunidade de junto ao meu filho poder redimir meus erros!!!
SALVE PAI OXALÁ, SALVE MINHA MÃE OXUM!!!
E BOI! E BOI! E BOI!!!


Orlando Garcia (aluno de sacerdócio - FUCESP)   

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