quinta-feira, 12 de julho de 2012

MORCEGO

MORCEGO

Já passava das dez da noite, quando o barulho de uma multidão se aproximando me chamou a atenção. Pela janela vi que várias pessoas cercavam o castelo onde eu morava, muitos estavam com tochas nas mãos, eram os homens da Inquisição seguido pela população ávida pela desgraça alheia. Estavam dispostos a adentrar o castelo, achavam que eu era um bruxo, um “adorador do diabo”.
Desde pequeno fui criado dentro do castelo que pertencia aos meus pais, junto com minhas duas irmãs. As duas fazendo companhia uma para a outra, brincavam pelo parque, jardim e varanda com suas bonecas; eu pela ausência de meninos me apeguei muito a um casal de escravos que serviam dentro de casa, era o Jefrey e a bondosa Mary. Esses dois me ensinaram desde pequeno a magia do vudu e também todo tipo de feitiçaria que conheciam.
Passados muitos anos, o casal de escravos devido a idade veio a falecer, pouco depois também perdi minha mãe e alguns meses após a sua morte meu pai também nos deixou. Minhas irmãs já casadas foram morar com seus maridos em uma região próxima as nossas terras.
A Bélgica é uma região onde o sol poucas vezes consegue aparecer entre as nuvens, tornando assim o lugar frio e sombrio.
A feitiçaria que aprendi, as vezes ajudava a quem me procurava, tanto para fazer o bem quanto o mal.
Vivi assim muitos anos, sozinho me dediquei de corpo e alma a aprender mais e mais feitiçaria; quando sabia que havia algum feiticeiro em outros lugares, me deslocava até lá e gastava o que precisasse para aprender algo que não soubesse.
Alguns anos depois começou um movimento de caça as bruxas, homens e mulheres que não agiam de acordo com a igreja, eram queimados em praça pública, o cerco começava a se fechar para mim.
A Inquisição estava na minha porta. O desespero tomou conta do meu ser quando lembrei que havia uma passagem secreta, ou seja um túnel de aproximadamente uns dois a três quilômetros, feita na época da guerra pelos meus pais para se necessidade houvesse, pudesse fugir para o bosque, tanto a minha família, como os oficiais que serviam ao meu pai.
Portas começaram a ser derrubadas, a casa saqueada; o que não queriam, quebravam.
Ao sair no bosque vi que o castelo ardia em chamas. Um quarto onde estava difícil para eles arrombarem, embora usando toras, quando conseguiram, de dentro deste aposento saiu voando um morcego. Como não me encontraram, o povo na sua ignorância deduziu que este morcego fosse eu.
Dali em diante ao saber disso adotei o nome de “Morcego”.
Com o ouro que consegui levar comigo me estabeleci em outra cidade próxima as montanhas, só vinha a cidade quando precisava de algum suprimento. Mas não tinha mais paz, o medo da inquisição e os pesadelos onde sempre havia alguém tentando se vingar de mim pelas maldades feitas através das feitiçarias não me deixavam dormir, cheguei ao desespero de tentar não dormir.
Um dia ao comprar suprimentos na cidade conheci Elizabeth, era linda, loira, olhos azuis da cor do mar, me apaixonei e fui correspondido, conheci o verdadeiro amor. Nos casamos e desse dia em diante meus pesadelos cessaram. Porém pouco tempo vivi ao seu lado, uma forte dor no peito pôs fim a minha vida.
Não queria ir embora, logo agora que completara 57 anos e vivia feliz, mas era tarde; uma nuvem de pessoas que queriam vingança me arrastaram, sofri, apanhei, fui jogado a lama do Umbral, um local frio e escuro onde havia lamurias e gritos horripilantes. Chorei, pedi proteção a Deus, mas nada consegui.
Passei muitos anos no Umbral até que fui tirado de lá por uma falange. Tive que trabalhar muito para um guardião. Lá eu era chamado, “invocado” a recintos onde realmente adoravam o diabo. Aqui na terra é chamado Magia Negra, trabalhei achando que esse trabalho poderia melhorar a minha situação, porém só cavava mais o meu inferno astral, até que conheci o Exu Calunga. Ele me levou para sua falange, hoje já refeito aprendendo a conhecer um pouco da luz, trabalho na umbanda. Tendo meu filho como instrumento, ainda guardo resquícios de vidas passadas, rancor, ressentimento e ódio ainda habitam o meu coração.
Aos poucos estou melhorando, conseguindo trabalhar para o bem.
Agradeço ao meu pai Oxalá e ao Exu Calunga a oportunidade de defender a bandeira da Umbanda.
Laroyê Exu, Laroyê Exu, Laroyê Exu...
Exu é Mojubá!!!!

Orlando Garcia (Aluno de Sacerdócio - FUCESP)

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