terça-feira, 3 de julho de 2012

MARTÍRIO DE UM PRETO VELHO


MARTÍRIO DE UM PRETO VELHO


Estava eu voltando de um curso que em breve me tornaria um líder religioso em minha terra, quando fui violentamente apanhado por homens armados que me colocaram em uma carroça no formato de jaula. Iniciava aí o meu martírio; fui levado por ela durante dias até chegarmos num porto, onde presenciei homens, mulheres e crianças passando pelo mesmo infortúnio que eu, mulheres separadas dos seus filhos, filhos chorando a separação de suas mães, homens que não poderiam mais alimentar seus entes queridos.
Dentro desse navio passei a pior humilhação que qualquer ser humano possa passar, até que depois de muitos dias chegamos em terra firme. Fomos obrigados a descer, minhas correntes deixavam marcas nas areias, marcando minha passagem e desenhando o meu futuro; roguei aos meus orixás que não me abandonassem.
Fomos levados a uma praça onde fomos vendidos, como os animais que também ali eram comercializados. Logo conheci o senhor que dali para frente decidiria o que seria o meu destino.
Era um homem de aproximadamente 40 anos, rude mas de bom coração.
Após chegarmos em suas terras fui apresentado ao capitão do mato e aos demais escravos como eu. Pela primeira vez em minha vida eu iria trabalhar, pois sendo de uma família abastada e colocado desde cedo para ser um líder religioso nunca tinha pego numa enxada. Minhas mãos logo ficaram cheias de calos, trabalhei durante uns três meses na plantação de couve flor.
Um dia meu senhor me chamou e disse: “Você não vai mais trabalhar na lida, será meu reprodutor, você tem um bom porte físico e terei bons escravos”.
Achei que minha vida melhoraria, ledo engano, parece que o meu destino estava traçado para as pessoas não gostarem de mim. Em minha terra a maioria não gostava de mim devido a minha situação financeira e a posição social; aqui os brancos não gostavam por eu ser negro e agora nem os negros, por eu ter que dormir com suas filhas e até mesmo com suas mulheres.
Mas tudo que está ruim ainda pode piorar... Fui logo me apaixonar pela criatura mais linda que vi em minha vida, a Sinhazinha, filha do dono dessas terras. Tivemos lindos dias de amor as escondidas, bem escondidas, mas o destino novamente me foi cruel, vim saber que minha amada estava esperando um filho meu. Seu pai ao saber indagou quem era o pai do filho que ela carregava no ventre, não demorou muito para ele chegar até a mim. Seu pai, um senhor como disse, rude mas de bom coração me falou: “Não vou te matar porque você é pai do futuro neto que terei, mas viverá enquanto vida tiver, dentro do nosso cemitério, não sairá de lá em hipótese alguma, pois se sair morrerá. Comerá do que cultivar e beberá da bica que passa por lá”.
Assim foi minha vida durante anos e olha que vivi muito, convivendo junto com as almas que ali residiam, longe dos muitos filhos que tive e de um que antes de conhecer a minha amada, pedi a Deus que me desse um amor. E como tudo que eu pedi em minha vida, nunca tive, mas o que precisava, recebi. Este meu caçula nasceu com deficiência física. Eu o tratava como a jóia mais valiosa que alguém pudesse ter. Desde o dia em que fui enterrado vivo dentro daquele cemitério, apenas algumas vezes pude vê-lo novamente; aí sim entendi o que é o amor.
As pessoas que necessitavam dos meus benzimentos me davam alimentos que nunca solicitei, pois um dom dado não pode ser cobrado. Agora do lado de cá, já desencarnado continuo trabalhando usando o corpo do meu filho, que temos muito em comum, cuido dele como se fosse meu filho de sangue e agradeço a nosso Pai por essa parceria que com ele realizo.
Fiquem na paz de Nosso Senhor OLORUM!!!


Orlando Garcia (Aluno de Sacerdócio - FUCESP)


Um comentário:

  1. Adorei essa página, muito esclarecedora, obrigada, que Deus o ilumine e abençoe sempre e cada vez mais.

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