MARTÍRIO
DE UM PRETO VELHO
Estava
eu voltando de um curso que em breve me tornaria um líder religioso
em minha terra, quando fui violentamente apanhado por homens armados
que me colocaram em uma carroça no formato de jaula. Iniciava aí o
meu martírio; fui levado por ela durante dias até chegarmos num
porto, onde presenciei homens, mulheres e crianças passando pelo
mesmo infortúnio que eu, mulheres separadas dos seus filhos, filhos
chorando a separação de suas mães, homens que não poderiam mais
alimentar seus entes queridos.
Dentro
desse navio passei a pior humilhação que qualquer ser humano possa
passar, até que depois de muitos dias chegamos em terra firme.
Fomos obrigados a descer, minhas correntes deixavam marcas nas
areias, marcando minha passagem e desenhando o meu futuro; roguei aos
meus orixás que não me abandonassem.
Fomos
levados a uma praça onde fomos vendidos, como os animais que também
ali eram comercializados. Logo conheci o senhor que dali para frente
decidiria o que seria o meu destino.
Era
um homem de aproximadamente 40 anos, rude mas de bom coração.
Após
chegarmos em suas terras fui apresentado ao capitão do mato e aos
demais escravos como eu. Pela primeira vez em minha vida eu iria
trabalhar, pois sendo de uma família abastada e colocado desde cedo
para ser um líder religioso nunca tinha pego numa enxada. Minhas
mãos logo ficaram cheias de calos, trabalhei durante uns três meses
na plantação de couve flor.
Um
dia meu senhor me chamou e disse: “Você não vai mais trabalhar na
lida, será meu reprodutor, você tem um bom porte físico e terei
bons escravos”.
Achei
que minha vida melhoraria, ledo engano, parece que o meu destino
estava traçado para as pessoas não gostarem de mim. Em minha terra
a maioria não gostava de mim devido a minha situação financeira e
a posição social; aqui os brancos não gostavam por eu ser negro e
agora nem os negros, por eu ter que dormir com suas filhas e até
mesmo com suas mulheres.
Mas
tudo que está ruim ainda pode piorar... Fui logo me apaixonar pela
criatura mais linda que vi em minha vida, a Sinhazinha, filha do dono
dessas terras. Tivemos lindos dias de amor as escondidas, bem
escondidas, mas o destino novamente me foi cruel, vim saber que minha
amada estava esperando um filho meu. Seu pai ao saber indagou quem
era o pai do filho que ela carregava no ventre, não demorou muito
para ele chegar até a mim. Seu pai, um senhor como disse, rude mas
de bom coração me falou: “Não vou te matar porque você é pai
do futuro neto que terei, mas viverá enquanto vida tiver, dentro do
nosso cemitério, não sairá de lá em hipótese alguma, pois se
sair morrerá. Comerá do que cultivar e beberá da bica que passa
por lá”.
Assim
foi minha vida durante anos e olha que vivi muito, convivendo junto
com as almas que ali residiam, longe dos muitos filhos que tive e de
um que antes de conhecer a minha amada, pedi a Deus que me desse um
amor. E como tudo que eu pedi em minha vida, nunca tive, mas o que
precisava, recebi. Este meu caçula nasceu com deficiência física.
Eu o tratava como a jóia mais valiosa que alguém pudesse ter. Desde
o dia em que fui enterrado vivo dentro daquele cemitério, apenas
algumas vezes pude vê-lo novamente; aí sim entendi o que é o amor.
As
pessoas que necessitavam dos meus benzimentos me davam alimentos que
nunca solicitei, pois um dom dado não pode ser cobrado. Agora do
lado de cá, já desencarnado continuo trabalhando usando o corpo do
meu filho, que temos muito em comum, cuido dele como se fosse meu
filho de sangue e agradeço a nosso Pai por essa parceria que com ele
realizo.
Fiquem
na paz de Nosso Senhor OLORUM!!!
Orlando
Garcia (Aluno de Sacerdócio - FUCESP)
Adorei essa página, muito esclarecedora, obrigada, que Deus o ilumine e abençoe sempre e cada vez mais.
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